O quarto de sua avó ainda estava do jeito que lembrava. A cama
recoberta por uma colcha de retalhos feita à mão, a mesinha de estudos em
frente à janela com alguns exemplares ainda sobre ela, a estante de mogno com
os antigos livros de receitas e os vidros de ingredientes, tudo ali, exatamente
do jeito que sua memoria recordava. Parada na soleira da porta, demorou alguns
instantes para dar o primeiro passo, estar ali era como viajar no tempo.
Folheando os exemplares da mesa pode rever suas primeiras receitas, e algumas
ainda continham as anotações de sua avó - ferver até que o perfume preencha a
sala - era assim que ela ensinava, adicionando detalhes e pequenos conselhos as
anotações feitas. Abriu um ou dois frascos, cheirou, reviveu cada momento
contido naqueles perfumes. Na estante de mogno estavam todos os livros de
anotações e receitas da família desde a primeira geração. Mas o que
ela buscava era o livro de anotações de sua avó, aquele grande com uma capa
azul escura e marcas rubras. Na prateleira superior, no canto direito bem ao
lado das "receitas para agradar a todos", lá estava ele. Intacto. Em
sua capa, com letras delicadamente desenhadas, lia-se GRIMORIUM. O livro de
anotações de toda uma vida da mulher mas sábia que já conhecera. Ali estava a
resposta para encontrar seu coração.
Já haviam se
passado mais de cinco luas desde aquele encontro nas colinas. Seus olhos nunca
mais esqueceram aquele brilho âmbar. Seu corpo sentia falta de
um único abraço, e o perfume da floresta de carvalhos pela manhã parecia estar impregnado em sua pele. Todos os dias ela havia retornado aquela
colina, sempre no mesmo horário, na esperança de encontrá-lo
novamente, mas todas às vezes retornou sozinha. Seu coração estava preso,
ligado ao jovem de traços fortes e mãos delicadas. E só existia uma maneira de
resgatá-lo, encontrando o jovem que o prendeu. E a única maneira que ela
conhecia para fazer isso estava ali, em suas mãos.
Folhando o pesado
livro, procurava uma receita mais que especial, a "receita para encontrar
corações". Podia parecer estranho, mas foi exatamente assim que sua avó lhe
explicara quando perguntou para que servia aquele estranho chá de flores e
frutos.
- Quando se perde
o coração, minha filha, perde-se também a alma! - dizia ela, enquanto amassava
algumas folhas de malva e calêndula no pequeno pote de barro.
E agora podia
sentir claramente o significado daquelas palavras. Ele não levara apenas seu
coração, aprisionara sua alma, e isso a assustava.
Sentada outra vez
sob a grande macieira, releu atentamente a antiga receita, e procurou anotar
todos os ingredientes, a maioria encontrados no jardim ou na cozinha da senhora
Flynn. Mas o que a inquietou foi a lua, teria que esperar até que estivesse
cheia novamente, pois só a luz da lua pode iluminar um coração perdido.
Olhando para o céu, para o pequeno filete de luz que começava a se formar, num profundo suspiro, fechou os olhos e pode ouvir a doce melodia que a fazia lembrar do seu coração.
Olhando para o céu, para o pequeno filete de luz que começava a se formar, num profundo suspiro, fechou os olhos e pode ouvir a doce melodia que a fazia lembrar do seu coração.