quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O Quadro


Seus pensamentos não a obedeciam, tinha muitas coisas para pensar, muitas coisas para decidir, muitas coisas para se ocupar, mas eles insistiam em perder-se em devaneios que lhe traziam arrepios e sorrisos bobos. Aquele cheiro já não estava mais guardado em sua pele, mas continuava grudado em sua memoria; o toque de suas mãos, o brilho de seus olhos, o sorriso quase infantil que tão gentilmente distribuía, tudo agora fazia parte de um quadro pintado em verde e âmbar.
De todos os quadros que pendiam pelas paredes, este era o único que não trazia sombras, uma imagem que parecia não combinar com as demais e que, de uma forma estranha, parecia ser a mais triste de todas. Apesar de sombrios, aqueles quadros representavam tranquilidade, a mantinha no controle e segura, mas este era diferente, ele parecia estar vivo, parecia querer invadir sua fortaleza, e nem mesmo seus guardiões podiam com armas tão perigosas. "É um quadro perturbador, mas é só um quadro", era o que ela repetia para si mesma todas as noites ao contemplá-lo, na vã tentativa de defender-se. Nunca soube exatamente quando ou porque o pintara, e não conseguia desfazer-se dele, pois todo quadro deve ser contemplado e disso ela não podia fugir.
Recostada na parede fria, sentou-se de frente para aquela imagem, e depois de algum tempo sentiu uma lágrima molhar sua face, ela estava sorrindo.