sábado, 15 de agosto de 2020

Sol e chuva


 Hoje amanheceu um lindo dia de sol, daqueles que pedem um passeio no parque, uma casquinha ou um picolé, um dia para sorrir, pisar com os pés descalços na grama, mas eu mal pude ver o sol, chovia em meus olhos. Seria estranho se já não fosse tão comum.
As duas meninas, negras como a noite, nadavam num lago castanho de sentimentos e pensamentos tão bagunçados quanto meus cabelos. Parei por um instante para contemplar a chuva que molhava meu rosto e percebi que, de tanta chuva, haviam marcas profundas pelo caminho. Despois de alguns minutos ali parada, tentei identificar algumas delas, mas juntas elas formavam um labirinto de lembranças que ficou dificil perceber a qual delas pertecia cada marca. Tentei refazer mentalmente cada caminho, na esperanca de achar uma saída para aquele labirinto, mas quanto mais eu olhava mais eu me perdia, então decidi sentar e esperar, fechei os olhos na esperança de que a chuva parasse, mas chuvas assim nem sempre são passageiras, e algumas trazem ventos, granizos e causam um estrago bem grande. Fiquei ali, parada, inércia total, ouvindo o balhuro da chuva que somente minhas meninas viam. Não sei quanto tempo se passou, se foram somente alguns minutos, algumas horas ou anos, mas sei que o tempo passou e eu não vi. Estava com tanto medo da chuva, dos barulhos e das rajadas de vento que não percebi o quanto de vida havia se passado.
Quando abri os olhos vi meus filhos crescidos, os móveis empoeirados, a grama que virou mato e cobria quase toda a fachada da casa, senti falta do meu cachorro me olhando daquele jeito "me ama" que só os cachorros tem, quase tudo ali estava mudado, muitas coisas quebradas, desgastadas, destruídas pelo tempo em que passei de olhos fechados, esperando a chuva passar.
E foi ao abrir os olhos que percebi que aquela chuva jamais passaria, não importava quanto tempo eu passasse de olhos fechados, nem dos lugares em que eu tentasse me esconder, ela jamais passaria, pois ela era a minha chuva, a chuva que precisava chover, pois só assim a terra seca e árida se tornaria fértil novamente, era preciso chover para florescer o jardim.
Neste momento tirei os sapatos, me despi da capa de chuva e dancei, dancei como uma criança novamente, feliz por estar chovendo, feliz por ver o sol, feliz por não ser inverno.

(Escrito em junho/2015)