quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O Quadro


Seus pensamentos não a obedeciam, tinha muitas coisas para pensar, muitas coisas para decidir, muitas coisas para se ocupar, mas eles insistiam em perder-se em devaneios que lhe traziam arrepios e sorrisos bobos. Aquele cheiro já não estava mais guardado em sua pele, mas continuava grudado em sua memoria; o toque de suas mãos, o brilho de seus olhos, o sorriso quase infantil que tão gentilmente distribuía, tudo agora fazia parte de um quadro pintado em verde e âmbar.
De todos os quadros que pendiam pelas paredes, este era o único que não trazia sombras, uma imagem que parecia não combinar com as demais e que, de uma forma estranha, parecia ser a mais triste de todas. Apesar de sombrios, aqueles quadros representavam tranquilidade, a mantinha no controle e segura, mas este era diferente, ele parecia estar vivo, parecia querer invadir sua fortaleza, e nem mesmo seus guardiões podiam com armas tão perigosas. "É um quadro perturbador, mas é só um quadro", era o que ela repetia para si mesma todas as noites ao contemplá-lo, na vã tentativa de defender-se. Nunca soube exatamente quando ou porque o pintara, e não conseguia desfazer-se dele, pois todo quadro deve ser contemplado e disso ela não podia fugir.
Recostada na parede fria, sentou-se de frente para aquela imagem, e depois de algum tempo sentiu uma lágrima molhar sua face, ela estava sorrindo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Deodora

Era um reino de glória, suas vitórias eram o orgulho da aldeia, sua força era admirada por todos, e sua alegria era sua fonte da juventude!
Deodora era a maior guerreira que aqueles tempos já vira. Apesar de sua imagem forte e as vezes temida, ela tinha um coração e uma alma inocentes, sempre acreditou na pureza das pessoas, na honestidade dos reis e na fidelidade de seu exercito. Ela sonhava com um mundo mais justo, com igualdade e liberdade, mas naquelas terras isso era impossível, aquele era um mundo de bárbaros!
As pessoas eram cruéis matavam por um simples pedaço de carneiro, cortavam cabeças para ocupar tronos. Era uma terra de muitos reis sem coroas, ali o que imperava não era a lei do mais forte e sim a do mais cruel! Viam-se esposas envenenarem maridos para herdar seus bens, filhos decapitarem seus pais para sentar em um trono. Eram reis, mas sem reinos.
Deodora demorou para acostumar-se com o sangue pelas ruas e com os gritos da noite, e apesar disso nunca deixou de acreditar.
Mas Deodora lutava com armas que eles não conheciam e vencia de um jeito que não entendiam. Ela não escravizava  ela cativava, seus seguidores eram homens livres e isso incomodava os bárbaros, e seu rei não podendo suportar prometeu vingança e ela iria provar a mais amarga das bebidas: a traição!
Seu chefe de exercito vendeu-se por um reino e algumas moedas de ouro, e Deodora foi entregue ao rei dos bárbaros numa emboscada. Ela teve seu reino devastado e queimado, seus bens saqueados e sua coragem entregue ao rei como presente, foi escravizada e passou a pertencer ao bárbaro.
Deodora agora não pensa, não sente, não luta, sempre que tenta o rei coloca sua alma junto dos escorpiões, e ela sente o veneno penetrar em cada parte do seu ser.
Quando arrancaram seu coração ela fora rejeitada  por Hades, ele não aceita corpos sem almas, e Deodora não pode nem morrer. Esse é o preço por sua pureza, por crer em pessoas e confiar em sorrisos. Hoje ela vive só, come o que sobra, não dorme, não dança, não canta, Deodora esqueceu até como se luta, pois sua coragem foi dada ao rei, o mesmo que ela defendia nas batalhas. Ela sangrou por um reino que não lhe pertencia, enriqueceu o rei que um dia admirou e respeitou, e hoje era só mais  uma escrava.
Sua unica chance de volar a ser feliz é derrotando-o, mas para isso ela  precisa de sua coragem de volta, e ela esta no medalhão no pescoço do bárbaro juntamente com sua alma, mas Deodora não tem mais forças para isso, arrancaram seu coração! 

(escrito em Janeiro de 2007)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Ecos em cores



A lua já estava alta no céu, e o vento gelado que soprava das colinas umedecia sua face. Ela estava caminhando há quase seis dias, seus pés inchados e feridos a obrigaram a reduzir a marcha, não dava para saber quanto ainda tinha para caminhar, a estrada a sua frente estava coberta por uma neblina densa que parecia querer abraça-la, a falta de visão a fazia lembrar-se de como chegara ate ali, mas isso ela queria esquecer. Desde que fugira das terras de Tzhir, carregando consigo Fergus, aquele que um dia fora seu carrasco, esta era a primeira vez que se lembrava daqueles dias sem lagrimas nos olhos.
Ela acordou sob o velho carvalho sentindo a brisa que vinha do mar, podia ouvir o som das ondas que quebravam na parede do rochedo e uma suave melodia, que fazia seu coração sorrir. Levantou-se, ainda meio sonolenta e um pouco fraca da caminhada que quase lhe tirara a vida, e seguiu aquele som que parecia sair de uma pequena flauta, a musica era tão doce e singela que tocou seu coração e fez uma pequena lágrima rolar pela sua face branca e pálida.
Precisou caminhar por alguns minutos até chegar à fonte da melodia; ao longe, sentado sob a sombra de uma pequena arvore, pode ver o vulto do que parecia ser um garoto, ao aproximar-se um pouco mais percebeu que na verdade era um belo rapaz, jovem, mas com traços bem marcados por uma barba cerrada e uma pequena cicatriz que o deixava estranhamente belo. Tinha a pele alva, quase tão pálida quanto a dela, cabelos negros e olhos de um castanho que pareciam pedras de âmbar com a luz refletida  suas mãos finas seguravam a flauta com delicadeza, e tiravam dela as mais belas notas. Ficou por algum tempo ali, ao longe, observando aquela cena que lhe trazia tanta tranquilidade. Estava tão encantada e fascinada pela imagem do rapaz que não percebeu que a melodia cessara, e que agora era ela a ser observada, sentiu o ar faltar e seu corpo tremer quando seus olhos encontraram os dele, e teria caído não fosse aqueles braços envolverem seu corpo e segura-la. Ele estava tão perto que podia sentir o pulsar de seu coração, seu cheiro lembrava as florestas de carvalho ao amanhecer, seus braços, aparentemente frágeis  eram fortes e o toque de sua mão na pela descoberta em suas costas a fez corar. Teria ficado ali o dia todo, não fosse o rosnar raivoso de Fergus que estava em guarda, pronto para atacar tão logo ele a soltasse. Não! - Disse ela, soltando-se daquele abraço e saltando para frente do enorme cão de dentes amarelos, e acariciando seu pelo o fez deitar-se novamente.
Fergus estava sempre ao seu lado, afastando toda e qualquer pessoa que tentasse aproximar-se, e seu temperamento agressivo atacava todos que ousassem toca-la, portanto, poderia afirmar que este era um rapaz de sorte, e isto a fez sorrir.